Como as maiores religiões orientam seus seguidores sobre esse gesto de amor e solidariedade A doação de órgãos é um ato nobre, que pode salvar vidas e transformar histórias. No entanto, para muitas pessoas, principalmente em momentos delicados, as decisões sobre a doação são influenciadas por crenças espirituais e religiosas. Nesse contexto, é importante entender como as principais religiões presentes no Brasil e no mundo enxergam esse tema tão sensível e importante. Este artigo, elaborado por Dr Luiz Teixeira da Silva Junior, tem como objetivo apresentar a posição de diferentes tradições religiosas sobre a doação de órgãos no Brasil, esclarecendo dúvidas e promovendo o diálogo entre a ciência e a fé. O Cristianismo e a doação de órgãos O Cristianismo, religião majoritária no Brasil, está dividido em diferentes vertentes, como o Catolicismo, o Protestantismo e as Igrejas Evangélicas. De modo geral, a fé cristã valoriza a compaixão, o amor ao próximo e a solidariedade — princípios que estão diretamente ligados à importância da doação de órgãos. A Igreja Católica, por exemplo, apoia a doação de órgãos como um ato de caridade. O Papa João Paulo II declarou, em 2000, que a doação “é um ato de amor que deve ser incentivado como forma de ajudar o próximo em necessidade”. O Catecismo da Igreja Católica também reforça que esse gesto é moralmente aceitável e até recomendado, desde que haja o consentimento do doador ou da família. Já entre os evangélicos e protestantes, a posição pode variar conforme a denominação. Contudo, a maioria não apresenta objeções religiosas à prática, e muitas comunidades encaram a doação como um exemplo do mandamento de “amar ao próximo como a si mesmo”. Espiritismo: um olhar fraterno e racional O Espiritismo, com forte presença no Brasil, também vê a doação de órgãos como um gesto de amor ao próximo. De acordo com os ensinamentos de Allan Kardec, o espírito é independente do corpo físico, e a doação de órgãos não interfere no processo de desencarne nem no destino espiritual do indivíduo. Espíritas costumam apoiar a prática, considerando-a uma forma legítima de contribuir para o bem-estar alheio. Como reforça a Federação Espírita Brasileira, a doação é um ato de desprendimento e altruísmo que deve ser incentivado. Judaísmo: preservar a vida acima de tudo No Judaísmo, há grande valorização da vida humana, e a preservação da vida (em hebraico, “pikuach nefesh”) tem precedência sobre quase todas as outras obrigações religiosas. Portanto, muitos rabinos defendem a doação de órgãos como uma mitzvá — ou seja, um mandamento divino de ajudar o próximo. No entanto, algumas correntes do Judaísmo mais ortodoxas impõem certas condições, como a verificação rigorosa da morte encefálica, já que a retirada dos órgãos só é permitida se a morte for claramente determinada. Mesmo assim, a tendência nas comunidades judaicas modernas é de apoiar a prática quando ela respeita os preceitos éticos e religiosos. Islamismo: a importância da intenção e da preservação da vida O Islamismo também oferece suporte à doação de órgãos, desde que sejam observados certos princípios éticos e religiosos. Os estudiosos muçulmanos costumam permitir a doação desde que ela não envolva comércio, seja feita com consentimento e tenha como objetivo salvar vidas. Autoridades islâmicas em diversos países já emitiram “fatwas” (decisões religiosas) aprovando a prática, especialmente em situações de necessidade urgente. Para muitos muçulmanos, doar órgãos é um gesto de compaixão e solidariedade, valores essenciais no Islamismo. Budismo: compaixão como princípio central No Budismo, a vida e o corpo são vistos como instrumentos para a prática do bem e da compaixão. A doação de órgãos é geralmente bem-vista, sendo considerada uma forma elevada de generosidade. Embora algumas tradições budistas mais conservadoras possam sugerir atenção ao momento da morte — por acreditarem que o espírito ainda está ligado ao corpo por um tempo após o falecimento —, o ato de doar é compreendido como uma prática virtuosa, especialmente se realizado com consciência e intenção altruísta. Hinduísmo: karma, renascimento e a doação O Hinduísmo, embora tenha diferentes escolas filosóficas, geralmente apoia a doação de órgãos no Brasil como uma ação de generosidade que acumula bom karma para o doador. Por acreditarem na reencarnação e no desapego ao corpo físico, muitos hindus veem a doação como uma maneira de fazer o bem, promovendo o equilíbrio entre o corpo e o espírito, e contribuindo para o bem coletivo. Conclusão: a espiritualidade como aliada da ciência O apoio das religiões à doação de órgãos mostra que fé e ciência podem caminhar juntas em benefício da vida. Com raras exceções, a maioria das tradições espirituais reconhece a importância da doação de órgãos como um ato de amor ao próximo, de compaixão e de entrega. É fundamental que famílias dialoguem sobre esse tema com antecedência, respeitando crenças e valores, mas também reconhecendo que um único doador pode salvar até oito vidas e ajudar ainda mais pessoas com tecidos e córneas. O Dr Luiz Teixeira da Silva Junior, médico comprometido com a saúde e a educação da população, reforça a necessidade de se abordar o tema da doação de órgãos no Brasil com empatia, informação clara e respeito às convicções individuais. Com mais informação e compreensão, será possível ampliar ainda mais o número de doadores e salvar vidas em todo o país. Luiz Teixeira da Silva JuniorPatologista | Gestor público | Autor | Cônsul adido do Chipre | Compartilhando vivências e reflexões sobre saúde, sociedade e vida pública.